ROLHAS & GARRAFAS
Carlos Steffen
A
rolha de cortiça, tão óbvia e desprovida de charme, foi uma das maiores aquisições da vinicultura e, juntamente com a garrafa de vidro, possibilitou um notável progresso no armazenamento e comércio do vinho.N
a antigüidade o vinho era armazenado em tonéis de madeira e servido ainda jovem devido à dificuldade de sua conservação.O
s gregos e romanos costumavam adicionar resinas ou breu ao vinho para aumentar sua vida útil, entretanto, isso lhe causava uma acentuada alteração de sabor.D
esde logo se percebeu que o vinho poderia ser melhor conservado se o recipiente que o continha (botija, odre, ânfora, garrafa, etc.) fosse hermeticamente fechado para evitar o seu contacto com o ar (oxidação).A
s primeiras soluções passavam pela utilização da madeira e do cânhamo untado com azeite, entretanto estas rolhas eram pouco eficientes e isso estimulou a busca de outras alternativas.E
mbora o vidro fosse conhecido pelo homem desde 1500 A.C., a sua utilização na fabricacão de garrafas de vinho teve início no século 17, ainda pelo método de sopro e modelagem.A
produção industrial de garrafas por moldagem, como as que utilizamos atualmente teve início em 1903 na Inglaterra.N
o século 18, os monges beneditinos começaram a utilizar rolhas feitas de cortiça, material já conhecido para outras finalidades desde 400 a.c.N
o princípio, a rolha de cortiça era formada de cubos maciços com arestas aparadas o que não permitia uma vedação das melhores.N
o caso das bebidas espumantes as rolhas que eram cônicas, deviam ser fixadas à garrafa com massa, fita ou barbante para suportar a pressão.E
m 1820 surgiu o primeiro dispositivo para produzir rolhas cilíndricas e a primeira máquina de engarrafar que utilizava este tipo de rolha.A
cortiça é a casca do Sobreiro, um tecido vegetal constituido por camadas de células mortas que se formam anualmente.O
sobreiro ou carvalho corticeiro (Quercus Suber) é uma árvore da família da Faia que quando adulta atinge até 25m de altura e pode viver até 150 anos.A
primeira retirada de cortiça acontece quando a árvore tem 25 anos de idade e as demais ocorrem em períodos de 10 anos.E
m geral as duas primeiras colheitas tem baixa qualidade e somente à partir da terceira, quando o sobreiro já é uma árvore completamente desenvolvida, a cortiça tem o nível exigido para a fabricação de rolhas.T
ipicamente, uma árvore de 50 anos produz cerca de 45 quilogramas de cortiça por colheita e uma árvore de mais de 80 anos pode produzir até 250 kg.Q
uase toda a cortiça do mundo provém de velhos bosques cultivados na Europa meridional, principalmente em Portugal, Espanha e Norte da África.A
cortiça é quimicamente inerte, não se deteriora por ação de agentes químicos, é um excelente isolante térmico e elétrico, é dificilmente inflamável, possui baixo peso, boa elasticidade, resistência, impermeabilidade, não tem cheiro e nem sabor.A
s mantas de cortiça após serem retiradas das árvores são fervidas, secas e selecionadas para a fabricação das rolhas através de puncionamento pneumático.O
aumento mundial do consumo determinou um aproveitamento mais racional da cortiça e atualmente são amplamente utilizados os aglomerados de cortiça para a fabricação de rolhas com características semelhantes às de cortiça natural.A
rolha deve servir como elemento de vedação do frasco que contém o vinho, impedindo o seu vazamento bem como o contacto com o ar por longos períodos.R
olhas de boa qualidade costumam ter forma cilíndrica e uma relação mínima de 4:3 entre o seu diâmetro e o da garrafa; devem ter também uma relação de 1:3 entre o seu diâmetro e comprimento.C
onsiderando os grandes esforços de deformação a que são submetidas as rolhas dos espumantes (champanhas), estas são mistas, isto é: reunem a resistência do aglomerado com nobreza da cortiça natural.A
s rolhas para vinhos de consumo breve podem ser feitas de cortiça aglomerada, entretanto as rolhas para vinhos que devem ser envelhecidos costumam ser mais longas e feitas de cortiça natural.A
rolha deve ser esterilizada para não transmitir ou provocar qualquer alteração de sabor no vinho. As rolhas costumam ser tratadas com agentes branqueadores à base de Cloro que lhe conferem um aspecto limpo e higiênico.É
um equívoco afirmar que o vinho está com gosto de rolha (bochonné), pois esta é feita de cortiça que não tem gosto. Entretanto, a rolha pode alterar significativamente o sabor e o aroma do vinho quando não tem a qualidade adequada para as suas funções.A
incorreta condição de esterilização da rolha pode introduzir na garrafa resíduos de Cloro, fenóis, umidade e mofo (conheci- dos como TCA) capazes de provocar alterações no vinho que são descritas impropriamente como "gosto de rolha".M
odernamente a contaminação da rolha tem sido diminuído substituindo o branqueamento tradicional com Cloro pelo tratamento com Peróxido de Hidrogênio ou tratamento térmico (nas rolhas de frisantes).A
constituição especial e a estrutura da cortiça fazem com que as propriedades desse maravilhoso tecido vegetal não consigam ser igualadas por nenhum material sintético, apesar das constantes pesquisas.D
eve-se sempre examinar o aspecto e o cheiro da rolha ao abrir a garrafa de vinho pois esta pode indicar alguma alteração de sua qualidade.E
m geral os grandes vinhos que devem envelhecer na adega, costumam ter rolhas longas enquanto que aqueles de consumo imediato costumam ter rolhas menores e freqüentemente feitas cortiça aglomerada.M
uito se tem pesquisado para o desenvolvimento de outras soluções para a vedação das garrafas de vinho e isto tem resultado em rolhas de plástico, tampinhas metálicas, tampas de rosquear, etc. bastante eficientes do ponto de vista tecnológico.N
o entanto, nehuma das soluções encontradas tem sido capaz de oferecer as mesmas característica s de vedação, inércia química e fácil extração que a velha, simples e eficiente rolha de cortiça, inventada a 175 anos.E
, como viver sem o ritual da abertura da rolha que com o seu pequeno estampido, nos autoriza a beber do vinho que por tanto tempo guardou e protegeu.Agosto de 1994
E
"O vinho alegra
o coracão do mortal"
Livro dos Salmos 103,15